Vermelho Silencioso


Pára, não me vês aqui,  
no chão, coberta de vermelho,  
uma tinta quente,  
que escorre das feridas  
que tu mesmo deixaste.  
Mesmo que te ame,  
o chão é duro,  
e o vermelho é a cor  
da dor que se acumula,  
como folhas secas,  
no inverno do nosso amor.  

Cada passo teu,  
é um peso a mais,  
que afunda a pele  
e o meu coração,  
como se a terra  
fosse uma prisão,  
onde eu, já frágil,  
me deito,  
e espero por um alívio  
que não chega.  

Pára, porque a tua ausência  
é um punhal,  
que se volta contra mim,  
e eu, no chão,  
perdida e em pedaços,  
tento juntar o que resta,  
mas cada pedaço,  
cada gota de vermelho,  
é uma cicatriz  
que não sara.  

Teu olhar não toca  
a dor que me consome,  
e eu me vejo  
como uma mancha  
no meio de sombras,  
um grito abafado  
que se dissolve na dor,  
e a ilusão de um amor  
que poderia salvar,  
se torna um desespero.  

Pára, porque o amor  
não é suficiente  
para cobrir as feridas,  
e eu, aqui no chão,  
ainda espero  
uma visão que me veja,  
um toque que possa  
remendar o que se perdeu,  
entre nós.

Mulher e mar


Eu sinto a areia fria nos pés,  
o mar à minha frente respira,  
chama-me com a voz de quem sabe  
que eu pertenço a estas águas.  

Não espero,  
não preciso do consentimento da praia,  
há em mim uma urgência que arde,  
que não se acalma em terra firme.  

Vou sem medo,  
deixo para trás as correntes que prendem,  
as correntes que dizem o que devo,  
como devo,  
mas eu sei o que quero.  

O mar não exige explicações,  
aceita-me como sou,  
com as minhas falhas,  
com os meus sonhos que voam  
em direções diferentes.  

Eu entro,  
sinto o frio que desperta,  
e cada onda é um abraço que me recebe,  
que me diz que posso ser,  
posso simplesmente ser,  
sem máscaras, sem máscaras.  

As mulheres que vieram antes de mim  
estão aqui,  
sinto-as na espuma que dança,  
na força das marés que me guiam,  
e eu sou uma delas,  
sou todas elas,  
sou mulher e mar,  
livre,  
indomável,  
inteira.

(Inspirado no livro "Mulheres que não esperam na praia e querem ir para o mar" de Marta Pais Oliveira)

Estou aqui


Fala comigo, meu amor,  
quero ouvir as ondas que escondes,  
o murmúrio das tuas noites caladas,  
onde o silêncio e a lua se abraçam.  

Deixa-me tocar as tuas sombras,  
as que dançam nas margens da tua alma,  
diz-me dos teus medos, teus abismos,  
tudo o que guardas como segredo.  

Sou um porto para as tuas marés,  
um rio onde podes desaguar,  
traz o teu fardo, teus sonhos esquecidos,  
compartilha o que te pesa e o que flutua.  

Seja a dor ou o riso, eu ouço,  
tu és o som que eu procuro,  
as palavras que nunca me disseste,  
no teu olhar perdido em estrelas.  

Fala, meu amor, eu te espero,  
sou a melodia que te acolhe.

De coração ao alto


Caminho, sempre,  
Com o peito erguido,  
Como quem carrega sonhos nas pontas dos dedos,  
E os deixa flutuar para além do céu,  
Onde o horizonte se perde em promessas,  
Que só o vento sabe sussurrar.

O sol desenha sombras nos meus passos,  
E cada curva da estrada é um suspiro,  
Uma prece ao desconhecido,  
Que me abraça em seu silêncio,  
Enquanto sigo,  
Sigo como quem dança na chuva,  
Na espera do arco-íris que ainda não vi,  
Mas sinto,  
Sinto nas veias,  
Como uma melodia que ainda não nasceu,  
Mas já me embala o coração,  
Neste caminho,  
Onde cada passo é um verso inacabado.

Aprisionado


Queria apenas poder querer
Que a vida fosse vida
E eu nunca a tivesse provado 
Que a noite iluminasse o día 
E eu não conhecesse o sol 
Que a areia beijasse o mar 
E meus lábios fossem nuvens 
Que a chuva caísse no céu 
E eu me afogasse no deserto 

 
Que os ríos nascessem no mar 
E eu vivesse em Plutão 
Que o vento norte soprasse de sul 
Que a morte revivesse a vida 
E eu estivesse de costas
E eu morasse a leste
Que o gelo derretesse a lava 
E eu fosse um fóssil
Que o amor iluminasse o mundo
E eu não estivesse lá


Que o ser derrotasse o ter
E eu nunca o sentisse
E eu conhecesse apenas o vazio 
Que o desespero vencesse a tristeza
Que as lágrimas fossem de açúcar
E eu desconhecesse o sabor 
Que o abraço nunca abrisse mão 
E meu corpo fosse fumo


Que o brilho do teu olhar fosse eterno
E eu nascesse cego
Que a bondade mandasse no mundo 
E meu coração fosse de chumbo
Que o fim fosse o princípio
E eu vivesse sempre no meio 
Que o nada fosse mais que o tudo 
E a liberdade prendendo-me
me fizesse livre.

Espelho d'água


Quando atento no olhar da loucura,  
no espelho d'água, vejo  
o rosto desfeito pela corrente,  
e sinto um desapego  
que me esvaece em gotas de dúvida.  

O meu refletido é um jogo de sombras,  
uma dança turva na superfície,  
e cada ondulação é uma história  
que se dissolve antes de ser contada,  
uma mentira que se desmancha na bruma.  

E neste estado de dispersão,  
onde o tempo é um vazio de silêncios,  
me pergunto se sou eu ou a névoa,  
se o que vejo é real ou apenas um conto  
de um ser desfeito na correnteza do ser.  

A água é um mistério líquido,  
um labirinto de olhos sem fundo,  
e eu, neste jogo de luz e sombra,  
sou um fragmento que se perde,  
buscando, um reflexo que me complete.

Minha tempestade


Esta minha loucura que vos afugenta,  
é o reflexo de um abismo sem fundo  
onde me perco,  
onde me procuro e me encontro,  
mas logo me dissolvo nas sombras.  

E se me escondo nas palavras,  
é porque o silêncio me fere  
com a lâmina fria da indiferença,  
e a solidão me envolve  
como um manto pesado demais para despir.  

Mas eu, no meio deste caos,  
sou feito de fragmentos,  
de pedaços de luz e escuridão,  
e cada parte grita por redenção,  
mesmo que o vosso olhar se desvie de mim.  

E, entre um passo e outro,  
sou o eco de um sussurro perdido,  
uma chama que arde e não apaga,  
na esperança de que, um dia,  
alguém veja além da minha tempestade.

Escombros


Este terramoto que me desmoronou,  
despiu-me da terra, dos sonhos.  
E o tsunami que me encharcou,  
arrasou meu peito, o chão.  

Eu era um castelo de cartas,  
desfeito em poeira e maré,  
as ondas trouxeram segredos  
que eu não queria saber.  

Em cada tremor, um sussurro,  
um fragmento de mim mesmo,  
e a água, como um beijo,  
engoliu a esperança.  

Nos escombros, procuro luz,  
uma fresta, um fio de dia,  
entre ruínas e silêncios,  
onde o novo pode nascer.

No mesmo olhar


Na perda, encontrei-te risonho,  
no rosto a dança de uma manhã clara,  
e no meu peito, a sombra de uma nuvem,  
tranquila, abraçou-me em seu afago.

O que eras em mim desfez-se na bruma,  
mas vi-te seguir, leve como a brisa,  
enquanto o meu silêncio se fez canto.  
Em cada lágrima, um rio sem pressa.

Na tua ausência, descobri-me sereno,  
pois há uma paz que nasce na saudade,  
onde a dor já não fere, só murmura.  
O céu, antes pesado, abriu-se em luz.

E na tua alegria, eu renasci,  
perdi-me para te ver voar,  
e na solidão, achei um novo sol,  
que não queima, apenas acaricia.

Entre o que fui e o que sou,  
há um fio que une, suave,  
a tristeza e a paz, no mesmo olhar.

Uma parte de mim


Uma parte de mim morreu, e a outra parte está morrendo.

A sombra da manhã que não chega, arrasta a luz
como se o tempo fosse areia, correndo sem olhar.
Em cada passo, um vestígio do que fui
se dissolve na névoa, enquanto a noite se dissolve em mim.

Os sussurros do passado tornam-se gritos de um presente
que não sei mais reconhecer; 
ouço os ecos de um coração que não é mais meu
responder ao vazio que se arrasta, 
tenso e cruel.

A dor, essa velha amiga, não se despede,
não há consolo no fim de um dia que não começou,
e a outra parte de mim, a que resta, continua a cair
como folhas secas em um vento que não pode parar.

A esperança se esconde, 
tímida, atrás dos muros da minha mente
e cada pensamento, cada lembrança,
é uma maré que arrasta um pouco mais de mim.

Os sonhos, aqueles espelhos distantes,
quebram-se em fragmentos que não posso juntar.
A tristeza se torna uma parte de minha pele,
uma segunda natureza, um corpo que nunca posso abandonar.

Sigo, com uma parte de mim já enterrada
e a outra parte, lentamente se afundando,
em um mar de incertezas que beira o infinito,
onde não há respostas, apenas o silêncio.

A morte, que se esconde em cada esquina,
não me oferece paz, apenas o peso da ausência.
E eu, uma sombra do que fui, continuo a vagar,
perdido entre os restos de um ser que foi e do que está morrendo.

Só tu e o mar


Tu és o riso à beira-mar,  
com os pés afundados na areia,  
e o vento no teu cabelo,  
desalinhado,  
como a vida que sonhas.  

E tu caminhas,  
sempre caminhas,  
no horizonte de ti mesmo,  
onde o sol se perde,  
como as palavras que não dizes,  
mas que sentes.  

E há uma liberdade,  
tão tua,  
naquele instante de sorriso,  
onde o mundo se dissolve,  
e tu és só tu,  
e o mar.

Beijo fresco


Quero um beijo fresco,  
neste vazio que me queima,  
onde o ar sufoca,  
e a saudade me consome.  
A noite é densa,  
silêncio que se enrola,  
entre o calor da ausência  
e o frio da tua falta.  
Tudo é sombra  
dentro deste peito,  
e o desejo se contorce,  
como serpente em silêncio,  
à espera de um toque,  
de um suspiro,  
de um momento que traga alívio.  
Mas há só o vazio,  
o vazio que me queima,  
e eu só quero um beijo fresco.

Escuta-me

Tu que me embalas,  
mãe de todos os meus silêncios,  
escuta-me.  
Trago no peito  
o peso dos dias,  
e nas mãos,  
as feridas do tempo.

A ti venho, mãe, 
por vontade,  
e por necessidade.  
E embora as palavras me fujam,  
sabes o que escondo  
nas dobras da alma,  
nas noites sem fim.

Peço-te, mãe, 
com esta voz quebrada,  
que me sustentes,  
que me guies por entre  
as sombras que se alongam,  
nas estradas de ninguém.

Porque em ti confio,  
mãe de todos os meus caminhos,  
não me deixes perder.  
Leva-me nos teus braços,  
onde o medo se dissolve  
e o fado se transforma  
num canto de paz.

Tu, que és a minha terra,  
o meu refúgio,  
acolhe-me, mãe.  
E quando a noite cair,  
cobre-me com o teu manto,  
que eu sou apenas  
teu filho à deriva,  
em busca do teu calor.

Eu te falo, mãe, 
sem mais promessas,  
sem mais palavras,  
apenas o meu coração,  
em silêncio,  
espera por ti, mãe.

Quase felicidade


Ela sentia, mas não sabia como dizer.  
Entre o cabelo, o cobre e o silêncio,  
havia uma história que ninguém leu.  
E os olhos, que ao fecharem-se,  
guardavam as palavras que o mundo não ouviu.  
E o peito, que subia e descia,  
com o ritmo daquilo que jamais seria confessado.  
Mas o seu sorriso, ah,  
ele dançava à beira do abismo.  
Era o reflexo de um mistério,  
um segredo que nem ela sabia que escondia.  
E enquanto o mundo rodava,  
ela permanecia imóvel,  
enraizada numa melancolia tão doce,  
que quase parecia felicidade.  
Mas havia algo nos lábios,  
um toque de tristeza que outros chamariam amor.  
E ela, perdida em si mesma,  
deixava-se embalar pela suave angústia de existir.

Os comboios passam


                           I
À janela de casa vejo  
Os comboios que passam, apressados,  
Trilhos cortam o vazio,  
Rumo ao destino incerto.

O ritmo dos vagões me envolve,  
Barulho seco na tarde cinza,  
Entre pausas e pensamentos dispersos,  
O mundo se desfaz, fragmentado.

Pessoas que não toco, apenas observo,  
Passam como sombras em movimento,  
E eu, quieto e inquieto,  
Aguardo o próximo sopro da vida.

No interior da casa, o silêncio  
Ecoa como um comboio distante,  
E eu, aqui parado, esperando,  
Vejo as histórias deslizarem, fugidias.

                            II
À janela de casa vejo 
os comboios que passam,  
são fantasmas de aço e vento,  
trazem-me memórias que nunca tive,  
partem, e levo comigo o rasto das luzes.  
As vozes dos trilhos ecoam nas paredes,  
como segredos murmurados ao ouvido,  
e há uma vontade absurda de me perder nelas,  
mas fico, fico sempre.  
Olho para o relógio,  
mas o tempo aqui não tem pressa,  
é um fio esticado que nunca arrebenta,  
e eu sou um nó que nele se entrelaça.  
A cidade adormece lá fora,  
e eu estou acordado,  
sou parte de um cenário que se repete,  
onde os comboios deslizam sem parar,  
como pensamentos que não consigo calar.  
E entre o som do metal e o silêncio da noite,  
descubro-me a questionar,  
se sou eu que vejo os comboios,  
ou se são eles que me atravessam,  
se sou janela ou passageiro,  
se estou preso à terra ou ao movimento.  

                             III
À janela de casa vejo 
os comboios que passam,  
e há neles algo de mim,  
algo que também se vai,  
algo que fica sempre,  
algo que não sei nomear.  
Fecho os olhos e ainda os vejo,  
são sombras que desenham o escuro,  
levam consigo o que poderia ter sido,  
e deixam-me só,  
com o que realmente sou.

Desassossego


Desassossego I

Existe um lugar, que me escapa,  
onde os sentidos, se entrelaçam,  
com memórias, que não reconheço,  
mas que me assombram, sem trégua.

Dentro de mim, há mares profundos,  
que nunca naveguei, nem compreendi,  
mas sinto, como marés, incessantes,  
a puxar-me, para o fundo, de mim.

E há uma voz, que murmura,  
segredos que não ouso revelar,  
mas que vibram, na minha carne,  
como um sussurro, antigo e vivo.

Esse lugar, onde não me encontro,  
é onde me perco, sem saída,  
num labirinto de sombras, e ecos,  
que me desassossega, noite e dia.

Desassossego II

Existe um lugar, obscuro, em mim,  
que se esconde, em silêncio, profundo,  
entre o medo, e o abismo, da alma,  
onde o tempo, desaba, sem fim.

Dentro de mim, há sombras, latentes,  
onde se perdem, sonhos, antigos,  
pedaços de um eu, tão distante,  
que me desassossega, e murcha.

Cada pensamento, é um eco, que fere,  
um segredo, sussurrado, ao vazio,  
tentando encontrar, no escuro, o porquê,  
de uma inquietude, sem rosto, ou razão.

E nesse lugar, onde não há luz,  
onde o silêncio, se faz, carne,  
habito a dor, como um fado, íntimo,  
e me descubro, frágil, e errante. 

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Em conjunto, os poemas, "Desassossego I" e "Desassossego II" formam um díptico que ilustra a jornada interior do eu lírico em busca de autoconhecimento.

Amiga

Lembras-te de nós,  
dos sorrisos fáceis e abertos,  
de quando os dias  
não pesavam nas sombras?

Era tudo nosso,  
cada sonho uma promessa,  
sem medo das noites,  
nem do tempo que corre.

Caminhávamos juntos,  
mãos entrelaçadas, vozes leves,  
a vida simples,  
sem pressa de amanhã.

Agora, lembramos em silêncio,  
as memórias acesas,  
o sabor doce  
de sermos ainda nós.

Mãos vazias

Eu sei, és tanto e tudo,  
te entregas na corrente dos dias,  
e eu sou este vazio,  
sem promessas, sem margens.  

Tu me ofereces tua alma pura,  
e eu, perdido, sem rumo,  
nada tenho além de silêncios,  
e este corpo, já tão cansado.  

No teu abraço, sinto o infinito,  
mas, nas minhas mãos vazias,  
não há ouro, nem futuro,  
só esta sombra que teima em ficar.  

Queria ser o que esperas,  
mas sou noite sem estrelas,  
um horizonte que não chega,  
um espelho sem reflexo.

Ilusão

Aquilo que preciso  
tu finges que és,  
mas o que tens  
não me dá paz.

És sombra e nevoeiro,  
nada, nada me entregas,  
e eu, perdido,  
sinto o vazio, cruel.

Procuras nas palavras  
o que não tens,  
e eu, iludido,  
abraço o frio do ar.

Mas quero o que és,  
mesmo que doa,  
mesmo que perca  
o sonho de te achar.

Doa a quem doer

A ganância caminha pelas ruas escuras,  
Esconde-se nas sombras, sem pudor,  
Alimenta-se de promessas vazias,  
Doa a quem doer, não há amor.

Ela vê apenas o brilho do ouro,  
Não sente o peso do silêncio,  
Cega pelos seus próprios desejos,  
Deixa para trás um rastro de dor.

A ambição veste-se de luxo,  
Faz-se de amiga nas noites frias,  
Mas espreita com olhos vorazes,  
Doa a quem doer, não se guia.

E assim vai, sozinha e implacável,  
Destrói o que encontra pelo caminho,  
Ninguém é livre dessa corrente,  
A ganância só olha por si.

Pardos

Nas sombras da noite, ele procura  
os silêncios que sussurram medos.  
As mãos tremem, frias e vazias,  
enquanto o mundo se dissolve em negrume.  

No ventre da escuridão, ele sente  
o coração pulsar, descompassado, aflito.  
Os olhos cegos tocam o vazio,  
mas encontram sempre os mesmos fantasmas.  

Há sombras que dançam sem cor,  
são pardas, indiferentes, cruéis.  
Elas arrastam memórias escondidas  
nas dobras do tempo, sem perdão.  

E na noite, ele se afoga,  
nos temores que são dele e não são.  
Mas, quando o dia surge, morre.  
Fica a alma, em silêncio, só. 

Dá-me paz


Dá-me paz, liberta-me do peso,  
das memórias que não calam,  
do vazio que me enreda,  
do silêncio que sufoca o peito.

Pára de me arrastar ao abismo,  
onde as sombras crescem sem nome,  
onde o medo se faz morada,  
onde me perco e não te acho.

Quero um espaço de calma plena,  
onde o tempo não me aprisiona,  
onde o sonho é só meu,  
onde a dor não faz raiz.

Deixa-me respirar sem correntes,  
sentir o sol sem os teus gritos,  
viver a vida sem tuas garras,  
ser eu, sem mais nada.

Mar que seduz

Mar que me toca a pele,  
me sussurra segredos de sal,  
me chama, com voz azulada,  
ao abraço que nunca me solta.

As tuas ondas, ternura líquida,  
enrolam-se nos meus pés nus,  
levam-me para longe, sem pressa,  
nas marés de um sonho antigo.

Teu perfume é o meu alento,  
a maresia que respiro de olhos fechados,  
e na tua imensidão, me perco,  
num balé de espuma e desejos.

No teu regaço, encontro a paz,  
como quem adormece no peito do mundo,  
e ao som das tuas ondas suaves,  
deixo-me levar, sempre para ti.

Mar de silêncio

A dor foi quem a moldou,  
Sem pressa, como cinzel na pedra.  
Cada sulco guarda uma história,  
Silente, mas sempre em voz alta.

E ela, que antes cantava,  
Agora, murmura segredos aos ventos.  
Os olhos, já não têm brilho,  
Só reflexos do que foi perdido.

Por dentro, o eco de um grito,  
Afogado em mares de silêncios.  
Tudo que um dia a cativou,  
Hoje é sombra, espectro de si.

Mas, na dor, também há luz,  
Ela vê beleza na cicatriz.  
A pele rasgada, traça novos mapas,  
Desenha o futuro em linhas firmes.

Nego

Não te quero, insisto em mentir,  
meu corpo te deseja, sem dó.  
Fujo na corrida, de nevoeiro e sol,  
caminho só, no espaço de nós.  

Não sei te amar, digo em surdina,  
mas tua sombra dança, insiste.  
Procuro silêncios, mas vejo clarões,  
o teu riso se cola, em mim.  

Vou fugir, da tua saudade,  
nos espelhos, refúgios de alma.  
Mas vejo o teu rosto, na noite,  
grito ao vento, que me consome.  

Te esquecer, é fardo e sina,  
memória, espinho na carne.  
Rasgo estrelas, no céu e no peito,  
sou presa, daquilo que neguei.

Beijar o sol

Sabes, meu amor, o silêncio pesa,  
nas madrugadas que nunca findam,  
e eu, no escuro, perco o rumo,  
desejo a luz que não alcanço.

A noite, minha pele despida,  
te procura em sonhos dispersos,  
mas cansa-me o vazio das sombras,  
quero sentir o calor da manhã.

Vem, traz-me o brilho do dia,  
quero beijar o sol contigo,  
enquanto a lua se apaga,  
e a esperança renasce em fogo.

Acorda, meu amor, já é hora,  
de abrir as cortinas do peito,  
deixar que o sol nos aqueça,  
e nos salve da noite infinita.

Quantas vidas

Quantas vidas cabem num corpo só?  
Cada lágrima, uma existência nova.  
E ela sente o peso,  
nos gestos simples e nos silêncios.

Um olhar carrega outros olhares,  
guardados nos cantos do coração.  
Entre uma respiração e outra,  
a memória de quem já foi.

Ela dança entre passados e futuros,  
e em cada passo, se recria.  
Quantas vidas pode haver numa?  
Na dúvida, ela se perde.

E quando o sol beija a pele,  
ela sente o eco do que não viveu.  
Mas entre o brilho e a sombra,  
acolhe todas, sem nada escolher.

Lágrimas

Nos olhos dela, o silêncio  
desliza sem rumo, como rio,  
e afunda-se nas margens do vazio,  
onde as lágrimas não têm nome.

Ele espera que o tempo explique,  
mas o tempo só traz o eco  
das palavras não ditas,  
como uma promessa que se quebra.

Cada gota é um grito mudo,  
perdido entre o desejo e o medo,  
porque chorar não muda o destino,  
apenas adorna o peso do mundo.

E enquanto as lágrimas secam na pele,  
ela busca na escuridão uma saída,  
mas a dor não se dissolve em prantos,  
porque lágrimas não são argumentos.

Gotejando

Ela caminha, espalha o que não cabe,  
no peito há sobra que não se guarda.  
O tempo escorre, sem pressa,  
pela fresta que a vida abre.

O vazio não a toca, não a fere,  
há sempre mais que se dá,  
ela transborda, sem fim,  
como rio que não cessa.

Não há sede em quem derrama,  
nem cicatriz na alma que jorra.  
Ela não teme a perda,  
se perde, logo se doa.

O mundo é vasto e ela flui,  
nas curvas do amor que resta.  
Na doação, ela se encontra,  
na falta, ela não se afasta.

Encontro raro

A alma não vibra com qualquer som,  
ela procura os tons certos,  
as notas que se perdem  
no meio do silêncio.

Ela espera o toque subtil,  
o olhar que não cansa,  
a palavra que nasce  
na pausa de um suspiro.

Há rostos que passam em vão,  
sorrisos que não tocam,  
gestos que não alcançam  
a essência que ela guarda.

E na espera discreta,  
ela dança no vazio,  
esperando o encontro raro  
onde tudo finalmente vibra.

O mar respira azul

Em algumas noites de verão,  
o mar canta, sussurra brilhos.  
E ela vê, na sombra fria,  
um manto azul, silêncio vivo.

Pelo horizonte, um sonho desperta,  
e o manto dança, serpente de luz.  
Ela segue, passos feitos de espuma,  
entre as ondas, o véu de marfim.

O mar a abraça, e tudo flutua,  
os seus desejos, sua pele antiga.  
Há um fervilhar de segredos,  
e estrelas se escondem na água.

A noite dissolve, e ela é só brisa,  
entre o azul, um reflexo passageiro.  
O mar se fecha, e o sonho se apaga,  
mas ela é agora parte do azul.

Querido amigo

Na melodia das palavras, você se desintegra,  
a cada acorde, uma parte se perde.  
Notas se tornam sepulturas de sons,  
e você se dissolve no vácuo.

Cada verso que você escreve é um eco,  
uma sombra que a tinta não apaga.  
Você ouve a frieza de cada acorde,  
uma maré que consome sua essência.

As palavras são espelhos quebrados,  
reflexos de um silêncio crescente.  
Cada acorde é um corte profundo,  
separando o ser do próprio verso.

No fim da sinfonia, você se apaga,  
resta um espaço onde a música silencia.  
Na melodia das palavras, você desaparece,  
um eco eterno em cada acorde.

Teu olhar doce

Esse teu olhar doce,  
que eu senti ser meu,  
desnuda minha alma.

Como se fosses,  
sem que eu pedisse,  
o ar que respiro.

Mas o tempo passa,  
e eu vejo o vazio  
no teu silêncio.

Ainda espero o brilho,  
do teu olhar doce,  
que eu senti ser meu.

Luminosa

Aquele olhar fingidor  
que me veste a carne,  
mentindo à alma,  
ocultando as ruínas.

Perdida na imensidão da dor,  
eu sustento o riso,  
a máscara frágil,  
para não desabar.

Sorri luminosa a quem está olhando,  
essa sombra que sou,  
um reflexo pálido,  
do que resta de mim.

E assim eu sigo,  
fingindo ser luz,  
entre as sombras,  
perdida, sem salvação.

Duplicidade

No reflexo da mente dividida,  
Há sombras que nunca se calam,  
O poder é a lâmina oculta,  
Que fere, sem jamais ser vista.  

Ele pesa na alma dos justos,  
E naqueles que pouco têm,  
A dor sem nome se espalha,  
E os olhos perdem a luz.  

E no jogo das intenções tortas,  
O mal se veste de ouro,  
A inocência é moeda vil,  
Na mão que se faz forte.  

Mas ele, que busca a paz,  
Entre o bem e o mal vacila,  
Vê-se preso na dúvida amarga,  
Que só alimenta a mentira.

Dilema

Entre o ser e o parecer,  
ele caminha em duplo fio.  
Com olhos em cada direção,  
navega, mas sem destino fixo.

Pensa na vida, mas hesita,  
em cada escolha, uma sombra.  
Na mente, o eco de outra voz,  
tão viva quanto o próprio medo.

Caminha, e não pisa o chão,  
divide-se entre razão e ânsia.  
Cada passo, um verso interrompido,  
encruzilhada onde o tempo desvia.

Em cada palavra, um dilema:  
viver ou pensar o vivido?  
Na duplicidade do seu pensamento,  
encontra um espelho partido.

Ervinha

Nasce pequena, quase invisível,  
Esquecida pelo olhar apressado,  
E na terra que ninguém toca,  
ela floresce em segredo.

Sabe que o sol também brilha,  
Mesmo para quem ninguém espera,  
E as gotas que ignoram suas folhas  
ainda assim a alimentam.

Ninguém a busca, mas ela insiste,  
deslizando entre fendas e pedras,  
E sua cor, tão desvalorizada,  
reflete a beleza do tempo.

E quem a pisa, sem pensar,  
não sabe que, lá no fundo,  
Essa erva de raízes teimosas  
reclama seu lugar no mundo.

Canção de embalar


Deixa-me cantar, encosta-te ao peito,  
não há segredos, só sussurros,  
os teus olhos pesam de sonhos,  
e o meu toque é tão leve.  

O silêncio envolve, como um abraço,  
e os meus dedos desenham estrelas,  
sinto-te a alma, pura e delicada,  
no compasso lento da noite.  

Os teus medos dissolvem-se, em suspiros,  
e as minhas palavras embalam-te,  
nesta melodia sem fim, suave,  
onde o amor é porto seguro.  

Adormece, querido, sem pressa,  
na melodia que invento por nós,  
o mundo lá fora não importa,  
só o nosso tempo que se apaga.

Tua luz

O calor da tua luz queima  
as sombras que eu guardei  
no peito, onde agora florescem  
as rosas de um amor sem nome.

Sinto o teu brilho a invadir  
cada recanto escuro da alma.  
Rasgas-me as trevas com palavras  
que se enraízam na minha carne.

No silêncio da noite, imagino  
o teu corpo a tocar o meu,  
fazendo brotar em mim cores  
que há muito adormeciam, frias.

E na escuridão dos meus medos,  
tu brilhas, e eu cresço, floresço  
como um jardim que encontrou  
a primavera no teu olhar.

Mensagem

Receber uma mensagem
é uma brisa que toca
o fundo deste peito
onde o silêncio grita.

E a espera na madrugada,
quando o sono não chega,
torna-se um eco de ti
no vazio da cama.

Saber que ainda me recordas,
que teu coração pulsa aqui,
é um calor na escuridão
que não sei como apagar.

Cada palavra é um abraço,
um aceno do teu mundo.
E assim, entre sombras e luz,
sou lembrado por existir.

Este vento

Este vento que me rasga a pele,  
carrega memórias que não se apagam,  
lembranças que ardem sem piedade,  
e me cortam a alma em tiras.  

Entre os suspiros que não liberto,  
escondo lágrimas de vidro fino,  
quebram-se na solidão que abraço,  
nesta noite que não tem fim.  

Sinto o frio, o medo que se arrasta,  
numa dança sem ritmo ou destino,  
não há refúgio para a dor,  
apenas o vento, meu único confidente.  

E mesmo que o silêncio me acolha,  
ele é feito de punhais subtis,  
marcando cada pedaço de mim,  
que o vento leva, disperso na escuridão.

Luto vivo

Senta na beira da cama,  
e deixa as dores enterradas acordarem,  
cada lágrima é um segredo antigo,  
que o tempo tentou esconder.

Chora só as mágoas sufocadas,  
aquelas que rasgam por dentro,  
e que ninguém mais conhece,  
mas que gritam em teu silêncio.

Eu estou aqui, amor, esperando,  
para acolher teu passado perdido,  
no espaço entre teu choro e a noite,  
onde tuas sombras olham as minhas.

Despe, então, tua alma ferida,  
não precisas disfarçar teu luto,  
pois mesmo que a dor seja só tua,  
eu estou aqui, pra te abraçar.

Sou teu

Vendo-me a ti, desfaço-me em sombras,  
sou argila, sou corpo em febre,  
entrego-te a carne e os segredos,  
a minha voz desfaz-se nos teus lábios.

Faz o que quiseres, sou teu,  
perco-me na linha do teu desejo,  
sem âncora, sem nome ou pecado,  
sou pele nua, pulsando o teu nome.

De mim nada resta, sou brasa,  
consumo-me no fogo do teu olhar,  
minha alma queima e dança,  
perdida em cada toque teu.

Enlaça-me, dissolve-me, sou chama,  
não temo o fim, só o agora,  
sou teu de cada poro e suspiro,  
vendo-me a ti, eterno e efêmero.

Não vou por aí

Eu não vou por aí,  
mas vou por dentro, sozinho,  
carregando a dor que tenho,  
sem saber o que sou.

Eu não vou por aí,  
mas vou por medo e raiva,  
beijando as cicatrizes fundas,  
procurando um nome meu.

Eu não vou por aí,  
mas vou por sombras antigas,  
em passos que não entendo,  
desenhando silêncios na alma.

Eu não vou por aí,  
mas vou por mim, enfim,  
tocando o abismo incerto,  
até ser quem não sou.

Verdade

Vem, e ajuda-me a desfazer  
o nó que sou, sem origem,  
sem história. Desmancha-me as vozes,  
que sussurram entre as costuras.

Destrói, em mim, a sombra  
de quem fui, ou quem finjo  
ser. Desmonta os meus segredos,  
e as palavras sem dono.

Despe-me das máscaras cansadas,  
das mentiras que me cobrem  
como pele velha. Revela-me  
o que resta depois de tudo.

Vem, e desfaz-me por dentro,  
até só sobrar o vazio,  
onde o medo se dissolve,  
e nasce uma nova verdade.

Abismo


Dentro de mim há um abismo,  
de sombras que crescem sem dó,  
onde a moral dissolve-se lenta,  
e eu, frágil, não sei quem sou.

Cada desejo é uma faísca,  
que incendeia o que eu nego,  
o certo e o errado misturam-se,  
no fogo que me consome cego.

E o espelho reflete essa fera,  
que habita no fundo do peito,  
roendo os restos do que fui,  
cravando garras num leito desfeito.

Mas a queda é tão doce,  
que me entrego ao silêncio cruel,  
afogando-me nesse vazio denso,  
abraçando o abismo em meu fel.

Tortura

Eu me entrego à noite cega, 
com as mãos atadas ao nada, 
e os olhos fechados ao espelho, 
onde me perco em busca de mim.

Entre pensamentos, crio mil laços,
enrolo-me neles até sufocar, 
mas volto a desenrolar-me, 
como quem se alimenta da dor.

Há prazer em ferir a alma, 
em rasgar as cicatrizes velhas, 
pois nelas descubro novas formas 
de sentir que estou vivo.

Sigo nessa tortura, 
tão íntima quanto silenciosa, 
onde o corpo grita calado 
e a mente se desfaz em sombras.

Carne viva


Eu sou o desejo bruto,  
a carne viva, queima-me a alma,  
e as veias, flui-me o querer,  
em cada toque proibido, expando.  

Há uma fome que me invade,  
uma sede que não sacio,  
um fogo que, em mim, dança  
e consome, e renasce sempre.  

Percorro corpos como quem sonha,  
buscando o grito primal,  
sento-me na beira do abismo,  
e caio, sempre em queda livre.  

Há mãos que me puxam,  
mas eu, queimo-me nelas,  
e nos seus dedos, sou terra,  
e sou mar, e sou vento.  

Não temo os meus desejos,  
mas temo não os ter,  
e, entre o silêncio da noite,  
danço nu, no meu querer.  

Quero-me inteiro, na pele,  
nos poros, na carne,  
e o que sou, sou instinto,  
e o instinto sou eu, que arde.