A impotência de ser

Na sombra que desce pela madrugada, ela se cala  
Como um véu de nevoeiro sobre a pele rasgada  
Seu dedo se ergue, não para ordenar, mas para implorar  
Que o som, qualquer som, se retire para sempre  
Do espaço onde antes havia vida, havia riso, havia canto  
Mas agora só resta a marca fria de um grito que nunca saiu  
E nos seus olhos há o peso de mil noites insones  
Onde o silêncio é um monstro que devora a alma por dentro  
Uma luz que cega, mas não ilumina  
Que a arrasta para um abismo de pensamentos escuros  
A dor que se esconde nas dobras do silêncio  
Como um segredo enterrado na profundidade da terra  
Onde as palavras se desfazem em cinzas  
E os gestos são correntes que prendem o corpo  
Numa dança macabra com a memória  
As mãos, tremulas, não encontram descanso  
Apenas o frio de uma solidão sem fim  
Que corta como lâminas invisíveis, dia após dia  
E no peito, o coração bate num ritmo descompassado  
Como se quisesse fugir, escapar de um destino cruel  
Mas está preso, amarrado a uma vida de sombras  
Onde o tempo é um inimigo que nunca cessa  
E a esperança, uma flor que murcha sem ter desabrochado  
O peso do silêncio é insuportável, esmagador  
Como se cada segundo fosse uma eternidade  
De olhos fechados, ela vê a escuridão  
Não a escuridão do sono, mas a escuridão da alma  
Onde os pesadelos não têm início nem fim  
São apenas um ciclo infinito de dor e desespero  
E as palavras que ela gostaria de dizer  
Ficam presas na garganta, sufocadas pela angústia  
Porque ela sabe, no fundo, que ninguém as ouviria  
Mesmo que gritasse até os pulmões se despedaçarem  
E então ela se cala, e o mundo se cala com ela  
Num pacto de silêncio e sofrimento  
Onde a única voz é a da dor  
Que ecoa, não no ar, mas nas profundezas do ser  
Uma dor que não tem nome, que não tem fim  
E assim, ela permanece, imutável, no seu silêncio  
Como uma estátua de mármore, fria e inquebrável  
Enquanto o mundo gira, indiferente  
E o silêncio a consome, devagar, sem pressa  
Até que nada mais reste, além da sombra de um sussurro  
Que se perde no vazio da noite.

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*Imagem da campanha da APAV sobre a violência doméstica

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