Naquela cadeira

Sentado naquela cadeira, ao vento norte,
bebo o sal que me rasga a garganta.
A madeira range, um grito seco.
O vento entra pelos olhos abertos.
Não há sol, mas há memória.

Pergunto-me onde está o meu corpo,
se é este ou outro que sinto.
A pele arde como papel molhado.
Queria fugir, mas estou preso.
Não à cadeira, mas ao vazio.

Bebo o mar para preencher o que falta.
O sabor morde e mastigo o sal.
As ondas riem-se de mim, penso.
A água dança, como se soubesse.
Mas não sei o que quero saber.

Penso no tempo, na areia.
Os grãos que escorrem, imutáveis.
Toco o braço da cadeira,
e pergunto se ainda sou eu.
Será que sempre fui eu?

O vento norte não responde nunca.
Agarra-se ao cabelo e leva-me.
Não consigo levantar-me, nem quero.
É melhor beber o mar devagar.
Talvez, no fundo, ele me conheça.

O sal seca na minha língua.
A cadeira balança, mas não caio.
Se caísse, seria eu ou sombra?
Penso em gritar, mas calo-me.
As palavras morrem antes do som.

Bebo mais uma onda do meu corpo.
Fecho os olhos, mas continuo a ver.
O vento norte ri-se baixinho.
Pergunto-lhe se é ele o fim.
Talvez não haja fim, só espera.



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