Inquietação que me escapa entre os dedos,
que insiste em ficar quando a quero fora,
como uma sombra entranhada na pele.
E tento encontrar-lhe a voz,
mas o som das lágrimas corta,
desfaz o fio, embarga a palavra.
É um sofrer mudo,
um querer gritar sem fôlego,
como se todo o peso da existência
se encolhesse no peito,
num espaço exato
onde a dor adormece e desperta.
Tento decifrar-me,
ser poeta da minha própria dor,
mas o coração escorre pelo rosto,
num choro que nada diz,
que tudo cala,
num ciclo interminável
de silêncios molhados.
Inquietação que sim,
que quer e não diz,
que fica por dentro,
como uma fera contida,
um rio represado,
esperando apenas
o momento de se perder
em qualquer mar.
E quando penso em libertá-la,
ela enrola-se mais fundo,
feito um nó de raízes escuras
que abraçam o que sou
e o que evito ser.
É uma fome que não sei saciar,
um apelo que nunca encontra eco,
um desejo que pulsa e fraqueja,
meio desfeito, meio grito.
Há um abismo entre o que sinto
e o que o mundo entende,
uma linguagem sem palavras,
um idioma de sombras e espinhos
que os outros não veem.
E tento conter, engolir o peso,
mas ele cresce, teimoso,
como se meu corpo fosse o solo
onde florescem dores antigas,
as que jamais despontam,
mas sempre ficam.
E sigo, nessa guerra surda,
entre a vontade de explodir
e o medo do vazio que virá,
a quietude insuportável do depois,
onde só resta o eco,
a memória de uma dor
que já não sei se era minha,
ou se me habitava
como uma antiga promessa,
como um fado que aceitei carregar.
Carrego-a comigo,
feito peso nas costas,
que curva a espinha e cala o peito,
um pacto silencioso com o invisível,
com o que nunca foi dito,
com o que guardo no olhar vazio.
É uma pele que não me largo,
um espectro de mim mesmo
que caminha ao meu lado,
em silêncio, mas tão presente,
como se fosse, também, meu.
Há noites em que quase grito,
e paro, porque sei:
ninguém entenderia esse som,
esse vácuo de esperança e exílio,
essa ferida sem nome,
essa constante ausência,
essa saudade de mim mesmo
que nunca se acaba.
E a inquietação, que sim,
fica aqui, calada,
em cada pulsar de sangue,
em cada suspiro suspenso,
na espera de um dia, talvez,
encontrar a paz de um abraço interno,
ou o descanso, enfim,
no eco mais puro do silêncio.
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