MEDITAÇÃO DO DUQUE DE GÂNDIA, Sophia de Mello Breyner Andresen

 


Nunca mais
A tua face será pura limpa e viva
Nem o teu andar como onda fugitiva
Se poderá nos passos do tempo tecer.
E nunca mais darei ao tempo a minha vida.

Nunca mais servirei senhor que possa morrer.
A luz da tarde mostra-me os destroços
Do teu ser. Em breve a podridão
Beberá os teus olhos e os teus ossos
Tomando a tua mão na sua mão.

Nunca mais amarei quem não possa viver
Sempre,
Porque eu amei como se fossem eternos
A glória, a luz e o brilho do teu ser,
Amei-te em verdade e transparência
E nem sequer me resta a tua ausência,
És um rosto de nojo e negação
E eu fecho os olhos para não te ver.

Nunca mais servirei senhor que possa morrer.

Sophia de Mello Breyner Andresen1919-2004
Obra Poética
Sophia de Mello Breyner Andresen; edição de Carlos Mendes de Sousa
Editorial Caminho

"Um Poema por Semana" - RTP2
Uma das mais importantes poetisas portuguesas do século XX. Foi a primeira mulher portuguesa a receber o mais importante galardão literário da língua portuguesa, o Prémio Camões, em 1999.



4 comentários:

  1. Maravilhoso, Pedro!

    Já está cravado em meu peito...

    Não a conhecia, Obrigada...

    beijocas-marejadas

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  2. nunca mais te darei o tempo puro
    que em dias demorados eu teci
    pois o tempo já não regressa a ti
    e assim já não regresso e não procuro
    o Deus que sem esperança te pedi

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  3. Uma das melhores declamações poéticas que já ouvi em Portugal.

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